Como muitas e muitas outras histórias no cinema, Belfast tem sua base na memória afetiva dos tempos de infância do diretor Kenneth Branagh. Uma infância com contornos das disputas entre protestantes e católicos na Irlanda dos anos de 1960. Em um primeiro instante parece uma ideia muito interessante acompanhar um período tão conflituoso pelos olhos de uma criança, e saber como foi a mistura da sua vida familiar, brincadeiras, estudos, amigos com toda conturbação do período. Porém, nem a bonita fotografia em preto e branco (super badalada ultimamente), nem a ótima atuação do elenco me fizeram ser conquistada pela narrativa.

Claro que em meio a tantas lembranças, há exceções que ficaram na memória: algumas cenas pontuais em que o uso das cores, da música certa ou de momentos de intimidade arrebatam pequenas passagens muito bonitas e significativas que vão além do buraco da fechadura, por exemplo, quando o cinema se revela em cores para o menino, nos deixa claro como essa arte serviu de válvula de escape e encantamento dentro daquele mundo conturbado, estabelecendo a conexão entre a criança e o homem que se tornou; a outra, é a linda cena em que o Jamie Dorman (chamado apenas de Pa) canta “Everlasting Love” para a personagem de Caitriona Balfe (apresentada simplesmente como Ma), em um momento de conciliação e intimidade (que eu acho que poderia ter sido alongada, pois a cena mais bonita do filme inteiro), e, por fim, as cenas de conversas com os avós, ou apenas de observação da dinâmica entre eles, dos ensinamentos e das histórias do avô.

Apesar de muito bem produzido (isso sem contestação), o filme se perdeu em algum momento entre trabalhar com as indecisões dos pais em relação aos caminhos da família, e as experiências pessoais do menino, sem um enfoque especial em nada, apenas abrindo uma pequena fresta para que a gente possa somente espiar e não sermos convidados a entrar de vez na história. Fica tudo meio na superfície, como se fossemos aqueles que olham de fora ou que passam às vezes pela casa de alguém pra saber como vão as coisas.

Bom, deu para perceber que os momentos de maior intimidade ficaram entre os mais bonitos, mas desconfio que a ausência de aprofundamento nesses situações, ou o trabalho pouco desenvolvido entre estes momentos com todas outras áreas trazidas pela trama (como a comunidade e os conflitos) foi o ponto principal da minha falta de conexão com o filme. Essa distância emocional recorrente na maneira como o filme foi concebido criou não apenas uma simplificação da narrativa, mas também uma falta de envolvimento. O todo só não fica vago porque temos, além das cenas já citadas, a cativante atuação do elenco (maravilhoso), mas principalmente por Jude Hill (que é um amorzinho).